A ideia em um segundo
Constantemente o presidente Jair Bolsonaro se exime de responsabilidade pela inação do governo e acusa o Congresso de não deixá-lo governar. Não é bem assim. Pelo contrário, o Índice do Congresso em Foco (ICF) demonstra que Bolsonaro alcançou, ao longo do segundo semestre de 2020, a maior média de votos favoráveis na Câmara. O início das novas gestões nas duas casas legislativas também confirma um alto potencial de apoio às iniciativas do Executivo no Legislativo, o que move os olhares para o que o presidente da República realmente vai querer fazer.Mas ele vai querer fazer algo?

Campeão de votos
Jair Bolsonaro encerrou 2020 com um impressionante apoio na Câmara dos Deputados. O Índice Congresso em Foco (ICF) para o segundo semestre de 2020 foi 0,74, o que correspondeu a uma média, em termos de votos favoráveis (votos de acordo com a orientação do governo – votações nominais), de 294 votos. Um recorde para essa série histórica, iniciada no último ano do governo Lula.
Criado pelo Congresso em Foco, o ICF mede o percentual de governabilidade, ou sustentabilidade legislativa, do Poder Executivo, fator importante no regime do presidencialismo de coalizão.
Para chegar a esse índice, são identificadas todas as votações nominais no plenário em que ficou registrada a orientação do governo e é medida a quantidade de votos em conformidade com essa orientação. O índice varia entre 0 e 1, sendo 1 a totalidade de votos conforme a orientação do governo.
Representação: um espelho?
O gráfico a seguir trabalha o ICF comparado com o índice de aprovação do governo, aferido pelo Datafolha no mesmo período. Se a representação (deputados eleitos) fosse exatamente um espelho do grau de satisfação popular, as duas curvas seriam idênticas.
Percebe-se que Bolsonaro mantém praticamente uma aprovação superior na Câmara dos Deputados do que entre a população. Em abril de 2020, o ICF esteve abaixo da aprovação popular – mês em que as provocações presidenciais aos demais poderes, inclusive o Congresso, tiveram um auge.
Protesto contra política educacional do governo Bolsonaro em Barbalha, no Ceará
Aprovação popular x aprovação parlamentar
Sob nova direção
Como o Farol alertou diversas vezes, os resultados mostrados ratificam o efeito da aliança do presidente da República com o Centrão. Aliança que se turbina com a eleição de um membro do Centrão para a presidência da Câmara dos Deputados. Arthur Lira venceu com 302 votos. Uma das primeiras propostas de mais fôlego apreciadas em sua gestão – a autonomia do Banco Central – foi aprovada com 339 votos favoráveis, quantidade superior ao necessário para se aprovar uma proposta de emenda à Constituição (PEC).
O que será do Centrão?
Compara-se o perfil pessoal de Arthur Lira ao de Eduardo Cunha. Entretanto, é preciso lembrar que o contexto da presidência de cada um traz um elemento essencial que se diferencia: o alinhamento do primeiro e o antagonismo do segundo com o mandatário do Planalto na ocasião. Essa perspectiva, somada à governabilidade latente que Bolsonaro alcançou, demonstrada pelas análises anteriores, abre uma perspectiva de avanço na arena decisória federal.
Arthur Lira lidera ofensiva antilavajatista na Câmara
A PEC 3/2021, que dificulta a prisão de parlamentares, foi o cartão de visitas do novo presidente da Câmara. Anunciam-se como pautas próximas: uma reforma eleitoral de resgate aos nanicos, com suas consequências de manutenção da fragmentação partidária e condições ideais de manutenção da dominância do Centrão; mudanças na gestão orçamentária, com mais flexibilidade para alocações diretas e direcionadas por parlamentares.
Adeus ao espírito da Lava Jato
O Centrão vai buscar todas as formas de sepultar definitivamente a Lava Jato, inclusive banindo seu espírito do território nacional. A PEC 3/2021, apresentada abruptamente, despachava para o além a possibilidade de prisão de parlamentares, nas esferas federal e estadual. Em cima de uma suposta resposta à prisão do deputado Daniel Silveira, a PEC veio para colocar o Supremo Tribunal Federal em seu lugar.
Contudo, a derrota de Lira, que não conseguiu reunir força o suficiente para aprovar a PEC, apesar de todo o empenho feito, demonstra que as análises políticas precisam sempre ser vistas em suas nuances. O espírito lavajatista ainda presente na grande mídia e em parcelas da sociedade foi suficiente para demover os parlamentares de embarcarem na proposta de Lira.
Sonâmbulos
Mais de 260 mil mortes; desemprego nas alturas; preços de produtos essenciais, como combustíveis e alimentos subindo; nova rodada de auxílio atrasada – tudo o que, em condições normais de temperatura e pressão, seria apontado pelos cientistas políticos, economistas, sociólogos e demais estudiosos da realidade social, levaria a uma revolução, não provoca mobilizações relevantes.
Se há ressentimento de massa, esse segue escondido na profundidade dos espíritos. Contudo, esse subterrâneo insondável é também instável, e tudo pode acontecer.